Geração de Energia Elétrica Através de Turbogeradores Anfíbios em Sistemas de Abastecimento de Água: Uma Alternativa às Válvulas Redutoras de Pressão (VRP)
Nos sistemas tradicionais de abastecimento de água, as válvulas redutoras de pressão (VRPs) são utilizadas para regular a pressão nas redes de distribuição, dissipando a energia excedente sem aproveitamento. A substituição dessas válvulas por Turbogeradores Anfíbios (TGAs) oferece uma solução inovadora ao converter essa energia desperdiçada em eletricidade. A tecnologia desenvolvida pela HIGRA, além de sustentável, traz flexibilidade de instalação e automação no controle da pressão, sendo uma alternativa eficiente e eficaz.
Tecnologia dos Turbogeradores Anfíbios (TGA)
Os Turbogeradores Anfíbios (TGAs) desenvolvidos e patenteados pela HIGRA (figura 1) são equipamentos integrados de geração de energia que combinam uma turbina e um gerador submerso do tipo molhado “oil free”, com capacidade de operar em diferentes condições de fluxo de água. Projetados para substituir VRPs em sistemas de abastecimento e aproveitamento de quedas d’água, os TGAs são projetados por ferramentas de simulação de dinâmica de fluidos (CFD) para otimizar sua geometria e maximizar o rendimento. A turbina é dimensionada conforme as características operacionais de cada aplicação, garantindo alta eficiência na conversão de energia potencial em energia elétrica.
O gerador elétrico submerso é do tipo molhado e atende a norma internacional NSF/ANSI 61 de compatibilidade para operar com água potável e utiliza o próprio fluido que passa pela máquina para refrigerar o equipamento. Esse design integrado proporciona um desempenho robusto do tipo monobloco e oferece condições ideais de operação contínua e segura, com baixíssima manutenção, alta durabilidade e baixo nível de ruído.
O funcionamento é baseado em uma turbina, que é impulsionada pelo fluxo de água com determinada pressão a montante. Essa turbina, conectada a um gerador, converte a energia mecânica em energia elétrica. A energia gerada pode ser utilizada para alimentar os próprios sistemas de bombeamento e tratamento de água, reduzindo o consumo de energia da rede elétrica. Caso a energia gerada seja maior que o consumo da unidade, pode ser injetada na rede gerando créditos de energia, dentro da modalidade de geração distribuída.
Figura 1 – Turbogerador Anfíbio com seção parcial em corte para mostrar como o fluxo de água passa por dentro da máquina trocando calor, passando pelo distribuidor e chegando à turbina hidráulica.
Sistema Elétrico e Automação
O sistema de geração de energia com o turbogerador na área de saneamento é composto também por um inversor de frequência do tipo regenerativo em baixa tensão (podendo ser em 220Vca, 380Vca, 440 Vca ou outra), sendo este responsável por variar a rotação do equipamento, possibilitando o controle de pressão e garantindo a qualidade da energia gerada que é injetada no circuito onde está conectado.
A solução possui automação que centraliza todas as variáveis envolvidas no sistema, utilizadas em vários pontos e que são primordiais para o controle. Por sua vez, o controle desenvolvido para manter a pressão constante na rede de distribuição de água, utiliza principalmente da variável de pressão da rede, assim como outras auxiliares para a correta operação do turbogerador.
O controle da pressão da rede de distribuição é realizado a partir da quebra de pressão gerada pelo turbogerador, que é desenvolvido e dimensionado para o ponto de trabalho com certa faixa de operação. Pelo fato de o fluxo de água na rede de abastecimento ser variado conforme o consumo, o sistema de controle faz com que o turbogerador varie a rotação para ajustar e buscar a pressão desejada, que pode ser um valor fixo configurado ou depender da escolha do operador caso seja necessário.
Uma das preocupações em redes de distribuição de água são os transientes hidráulicos, em função disso, na automação do turbogerador, é utilizado controle PID para não haver alterações bruscas na operação e garantir a estabilidade hidráulica.
Benefícios da Implementação
A substituição de VRPs por Turbogeradores Anfíbios oferece uma série de benefícios técnicos e ambientais, tais como:
- Geração de energia limpa: A energia que antes era dissipada como calor nas válvulas redutoras de pressão é recuperada e convertida em eletricidade.
- Redução de custos operacionais: A energia gerada pode ser utilizada para abastecer as operações do sistema de abastecimento de água, reduzindo a dependência de fontes externas de energia.
- Sustentabilidade: A implementação desta tecnologia contribui para a redução emissão de CO2, uma vez que a geração de energia é feita de forma limpa e sem emissão de gases poluentes.
- Facilidade de integração: Os turbogeradores podem ser instalados em sistemas de tubulação já existentes, aproveitando a infraestrutura atual sem a necessidade de grandes alterações.
- Redução de custos: A eletricidade gerada pode ser utilizada diretamente pelo sistema de abastecimento ou, caso a energia gerada seja maior que o consumo da unidade, pode ser injetada na rede elétrica gerando créditos de energia, reduzindo custos operacionais.
- Versatilidade: Os TGAs podem ser instalados em diversas configurações, tanto em áreas submersas quanto não submersas, e em diferentes tipos de sistemas hidráulicos, como redes de distribuição de água e vertedouros de barragens.
- Automação e controle remoto: O sistema oferece controle automatizado da pressão de distribuição, com operação à distância, o que melhora a eficiência operacional.
Caso Prático: Substituição de VRPs em Adutora DN800
Um estudo de caso real, na SABESP e dentro da cidade de São Paulo, demonstra a implementação de um TGA em substituição a duas válvulas redutoras de pressão (VRPs) em uma adutora de 800 mm (DN800) de diâmetro, controlando a pressão de distribuição de água em um sistema de abastecimento. Os dados operacionais incluem:
- Pressão de entrada: 40 a 50 metros de coluna d’água (mca).
- Pressão requerida para distribuição: entre 24 e 26 mca.
- Vazão média diurna: 450 litros por segundo (l/s), com abastecimento diário de aproximadamente 16 horas (das 05h às 21h).
- Energia hidráulica disponível: entre 65 e 110 kW.
- Potência de geração esperada: de 40 a 75 kWh.
No Gráfico 1, são apresentados dados de operação durante um dia típico de operação, ilustrando o comportamento da pressão da rede de distribuição conforme o valor de controle e a geração de energia.
Gráfico 1 – Controle de pressão da rede de distribuição, apresentando a pressão de alimentação, pressão da rede, valor de controle e geração de energia.
Figura 2 – Casa de controle de pressão mostrando as duas linhas de distribuição de água com a utilização de válvulas redutoras de pressão.
Os resultados obtidos após 26 meses de operação foram os seguintes:
- Controle de pressão automatizado: O sistema operou eficientemente, substituindo completamente a funcionalidade de duas VRPs e mantendo a pressão adequada de distribuição.
- Aproveitamento energético: O TGA aproveitou a energia hidráulica disponível, gerando uma média de 50 kWh, com picos de até 72 kWh durante os períodos de maior demanda.
- Eficiência energética: A performance foi de 79% da energia disponível convertida em eletricidade útil.
- Geração acumulada: Durante o período de operação, o sistema gerou 612.730 kWh.
- Ruído: A operação foi silenciosa, atendendo às normas locais para áreas residenciais, com emissões de ruído abaixo de 50 dB.
- Redundância operacional: O sistema conta com um dispositivo de reserva (duplicidade), garantindo a continuidade da operação em caso de falha.
Figura 3 – Instalação da UCHA (Usina Compacta de Hidrogeração Anfíbia) em série e a montante das VRPs.
Considerações Finais
Os Turbogeradores Anfíbios apresentam-se como uma solução viável e eficiente para substituir válvulas redutoras de pressão em sistemas de abastecimento de água, com vantagens claras em termos de geração de energia, sustentabilidade e automação. A tecnologia, desenvolvida pela HIGRA, demonstrou alto rendimento em aplicações práticas, como visto no estudo de caso apresentado. Com uma performance de 79% da energia gerada sobre a energia potencial disponível e a possibilidade de automação completa do controle de pressão, o TGA surge como uma alternativa promissora para o futuro da energia renovável em sistemas hidráulicos.
Apesar dos benefícios, a implementação de Turbogeradores Anfíbios apresenta alguns desafios. A principal barreira está relacionada ao custo inicial da instalação e à necessidade de um estudo detalhado para determinar a viabilidade técnica de cada sistema, já que a quantidade de energia gerada depende das características do fluxo de água, como a vazão e a pressão, que podem variar ao longo do dia e com a sazonalidade no abastecimento de água.
Além disso, o retorno financeiro dessa tecnologia está diretamente ligado à quantidade de energia que pode ser recuperada e à existência de incentivos econômicos e regulatórios para a adoção de tecnologias limpas.
Autores:
Greco Tusset de Moura – Engenheiro de Produção Mecânica e Diretor Técnico da HIGRA
Gustavo Fischborn Pohren – Engenheiro Eletricista e Responsável Técnico da HIGRA